domingo, outubro 15, 2017


Inventei as possibilidades de encontro que as palavras poderiam nos dar.
Inventei tudo... só para sentir num tempo contínuo a eternidade instantânea que meu corpo encontrou no seu.
Mas no abismo silencioso do seu olhar pressenti o risco e o desejo de ser posta em cheque. Encurralada por seu Bispo, derrubada pelo seu Cavalo ou caída aos pés da Rainha. Até mesmo a ideia da imprudência ao colocar-me ali ou aqui me trouxe encanto.
E assim, embriagada pela urgência de sentir em queda livre se perderem roupas e certezas, bem diante dos meus olhos, o real tropeçou no imaginário; seria desde então apenas a minha sede e coragem levando-me pelos labirintos em que você não entrou.


A menina que guardava estrela
Pensou em colocá-la na boca para que iluminasse-lhe o verbo.
Nos cabelos, para que se destacasse entre a multidão.
Pensou. Pensou. Sentiu um vento gelado e lembrou que seu cachorro ficara pra fora de casa.

Guardou a estrela no bolso esquerdo do casaco e seguiu .

Não sei qual a idade.
Sei que o ano dura menos e o natal não tem o mesmo glamour das festas que continuavam fora da família até o amanhecer.
Sei que meu cachorro envelheceu e ainda que continue brincando e correndo comigo pela casa, seus olhos esbranquiçados e os pêlos brancos me fazem lembrar a toda hora da que se vai.
Sei que já não canto.
Sei que as folhas tem menos palavras do que gostaria.

Agora as noites são mais dormidas.
Arrisco menos porque já não creio em paixões miraculosas.
Acredito sim, no dia que nasce e impõe suas, ou minhas, necessidades.
E apesar de disso tudo parece as vezes que sou feliz.

Abro os olhos...
Sob o céu puído por gases poluentes o oceano vomita baleias – a ancestralidade viva – alimentadas até a morte pelo que se chama humano.
Na floresta, não muito longe da estrada mais próxima, a fúria selvagem de um urso domesticado chora quando a correnteza do seu primeiro banho de rio devolve suas origens.
O ritmo das máquinas confunde minhas horas e meu pulso. Resisto a toada hipnótica, busco no escuro, em cada piscar de olhos, um respiro, um descanso.    
E a cada abrir de olhos o horror de uma vida que não me define.  O mundo está feio.
Mas não confunda o feio com a dureza crua – aquela das feridas abertas, do pus que verte expurgando venenos, porque essa dureza cru é uma beleza natural do viver para a morte.  
Feio é o estomago das baleias, a materialização do poder insaciável, esse engodo de felicidade vendido em garrafa pet, a obsessão pela realidade descartável.
E como já disse Vinicius: “beleza é fundamental.”



As tecelãs das horas

Ouviam-se. Fosse sobre o que fosse.
Desfiavam as histórias diante do tempo,        
confundindo as horas.
Nos descuidos dessas senhoras elas vislumbravam a eternidade.
Concordavam entre silêncios, sussurros e sorrisos,  
que o fim -  destino de todas as coisas - não as silenciaria.
Manteriam as horas em torpor, desfiando a história que juntas fiavam.



21 gramas


Pesam as gotas oceânicas,
a vida.
São como o tempo em sua forma primitiva
O que vem antes da sucessão dos dias.
São a continuidade atemporal, 
o pulsar que a ancestralidade molecular reconhece,
a melodia que permanece,
a memória além da pele.

sábado, abril 12, 2014

A mulher nua

             Caminhava apressada tentando equilibrar-se sobre os saltos nas pedras soltas, nas calçadas em obras, poças e desníveis.
             Lá ia ela segurando a bolsa na mão e o mundo nas costas.
             Virando à esquina o pedreiro da obra, que atormentava seus dias, mandou-lhe um beijo estalado. Murmurou um xingamento inaudível, sentindo-se vencida pela covardia de não mandar-lhe à merda em alto e bom som.
             O encontro com os vizinhos na escada, a procura da chave, a bolsa no sofá, o sapato na sala e o mundo sobre as costas.
             O amor imensurável no olhar do cão apagou num segundo às impressões do dia, imprimindo-lhe um sorriso oceânico. E assim, com uma sensação de pertencimento às engrenagens do mundo, chorou as relações perdidas no poder, os amigos enterrados na vaidade, o saber cego, a saudade e o impossível.
             Culpou-se pelo que não disse, angustiou-se com as dúvidas e vislumbrou o traçado que fizera para si. O cão latiu abanando o rabo. Estava com fome.
             O dia encontrou-lhe nua sobre as cobertas.

sábado, outubro 05, 2013

Contracenando com o incomunicável

- Me estranha tanto quanto me parece saudável reconhecer que não é meu esse momento. De longe, sem estar distante, te vejo seguir seu caminho. Nada que eu diga ou faça nesse momento mudará o rumo das coisas, o seu rumo. Sou uma espectadora atenta e apaixonada.
Quero acreditar ser possível viver e construir o amor, dividir, doar, receber, dizer e escutar mesmo nos momentos mais áridos. Amar o outro e ter questões sobre o que te constrói...
As coisas, tudo que tem acontecido... tão intenso, rápido... Tenho um novelo emaranhado, e muitas pontas, não sei muito bem por onde começar.

- Não entendi. Não entendo quando fala assim...

- É que eu não queria me perder nos dias que se repetem, perder esse ponto de vista, esse lugar de onde cada gesto é especial, único. Me ensina a não ser banal?

- Por que você tem que ser profunda em todas as coisas?? 

domingo, agosto 25, 2013

MEU CARNAVAL


No salão de tantos risos e alegrias, te encontrei sem fantasia.
Te falei do querer mais pra libertar meu coração. E pedi: "Me espera? É que a vida tá pouca e eu quero muito mais!"
Você disse "eu quero sim!  Mas não se esqueça de mim, não desapareça!"
Mas com a chuva caindo, perdi a cabeça. Saí do seu lado.

De repente apareceu e disse: "Já tá fazendo um ano...quero matar a saudade".
E meu coração, sem mais nem por quê, bateu feliz ao te ver.
Mas fugiu de mim, mesmo eu sendo a mais bonita das cabrochas dessa ala.
Não sabia que sou a mais valente, nessa luta de rochedo e mar.
Atravessei seu mar.
E no beijo de agora já não foge mais de mim.
Com você quero a paixão violenta dos nossos ainda oitenta carnavais.



sexta-feira, agosto 09, 2013

...porque um encontro são dois, eu não corresponderei as suas expectativas.
Serei o encanto e a surpresa. O bem e o mal.
Comungando os mistérios com as estrelas, peço que seus olhos suportem minhas cores,
que seus sentidos não se fechem ao áspero em mim,
que a minha humanidade feia não te apequene a ponto de querer negá-la.

Porque o que eu quero mesmo é que que na minha carne crua você encontre aquilo que está por trás de todas as coisas.

quarta-feira, agosto 07, 2013

Meu rei

De plebeu a rei... Perdida a coroa culpou seu povo; traição e desonra. 
Mas não era ele que passava as noites desdizendo as verdades de fidelidade e palavra? O grande engodo. Rei apenas no bordel onde disfarçava a realidade com putas pagas.

domingo, agosto 04, 2013

QUE VENHA A TEMPESTADE!

Em mim a tempestade é bem vinda;
que destrua aquilo que já não pode permanecer,
que clareie com sua ira a minha tecedura rota.

E que dissipando-se, revele-me um novo abismo,
um espaço de não saber,
um grito hediondo, selvagem e ancestral.

A minha parte farei com entrega, escuta e palavras.